quinta-feira, 1 de abril de 2010

VALEU e VALE A PENA VER DE NOVO

As Marias de "Maria, Simplesmente Maria" . Lindas Personagens. Boas atrizes.
Polêmico. Sucesso de público. Sucesso de crítica. Entendamos que algo é sucesso de crítica não quando a crítica fala bem, mas quando a crítica fala muito. E nunca, na história dessa cidade, uma peça foi tão comentada.
Pegando emprestado as palavras da misteriosa Sarah Reis, "esse espetáculo é uma espinha entalada na garganta de quem não conseguiu o que o EAVA FÊNIX conseguiu: público e reconhecimento."
E como não falar delas?
Das Marias. Doces, decididas, guerreiras, apaixonantes e tão diferentes Marias.
"Maria, Maria é um dom, uma certa magia, uma força que nos alerta [...] É a dose mais forte e lenta". Inicio com os versos de Milton Nascimento para falar da Maria principal do espetáculo. Desde seu monólogo Maria Padilha deixa claro que é uma mulher exótica, forte, sedutora, desafiadora, mas de boa índole. Durante toda a peça e seu conflito com o perverso Joaquin Martinéz ela mostra-se como fonte de inspiração por demonstrar uma mentalidade inovadora para uma mulher de 1890. Além de inovadora, diga-se de passagem, rebelde, pois não aceita a opressão às mulheres. Em cima dessa personagem a dramaturga mostra a visão unilateral da sociedade da época que focava-se no lado "sensível" e "submisso" da mulher, e como esse erro de julgamento simplista pode levar um homem a ser humilhado pelo "verdadeiro" lado feminino. Foi o que aconteceu com Joaquin. A personalidade de Maria Padilha, muito bem construída, é, sem dúvida, a mais admirável de toda a peça. A personagem fora incorporada por Erika A. V. de Almeida que, ao meu ver, não poderia ter tido melhor escolha. Justifico minha afirmativa ambas (atriz e personagem) têm a mesma personalidade, além disso, Erika tem um amplo conhecimento na área do drama, fazendo com que só existisse Maria Padilha no palco, mostrando assim "a paixão em vermelho sangue sob o brilho dos dourados fios de cabelo, no resplandecer de um olhar azul".


"Maria, Maria é o som, é a cor, é o suor". Esse trecho, também de Milton Nascimento, é para dar início a Maria que representa a luta contra o preconceito e a escravidão nos anos que se seguiram a abolição. Afro-descendente de personalidade ampla e forte, Maria Molambo sempre mostra, de maneira bem objetiva, que seu encanto de ébano oculta também uma mulher africana que se orgulha de ser quem é, por isso não se deixa dominar. Ela desafia àqueles que se acham superiores a ela, mesmo que essa atitude lhe ponha em perigo. Isso dá ao público uma amostra da revolta da raça negra pós-abolição. A história dessa personagem com o senhor de escravos "Barão de Rio Branco" é uma demonstração da relação entre brancos e negros e da "superioridade" que os brancos julgavam ter devido sua cor. Esse "julgar-se superior" trouxe ao Barão terríveis consequencias devido a personalidade indomável de Maria Molambo. É o segundo maior núcleo de amor não correspondido em "Maria, Simplesmente Maria", ficando atrás apenas de Maria Padilha e Joaquin. Em termos de atuação, Lutilla Holanda encarnou bem a mulher africana de grande dignidade, mas faltam acertar alguns ponteiros. Ela precisa trabalhar a faceta sensual e maliciosa de Maria Molambo. Então "como a beleza do céu noturno resplandece na escuridão vasta, mas ainda assim admirado por sua bela escuridão, mostra-se a verdadeira africana, que de sua cor negra, vestida de ouro e prata, desperta o amor através de seu olhar felino".

"India, sangue tupi[...] Índia, sua imagem sempre comigo vai/dentro do coração". Os belos versos de M. Ortiz Guerrero abrem meu comentário sobre a Maria posta para representar o lado brasileiro das Marias. Maria Ana (Mariana) é uma índia e mostra-se como verdadeira nativa de outrora. Representa a parte "selvagem", "natural", que não se adapta bem ao ambiente urbanizado, cujo cenário é o Hampton's House - um Café Society carioca do século XIX -, mas suportando a situação como uma verdadeira guerreira. Apesar de ser a Maria menos atualizada, é a mais sábia em questões de reflexão social, mostrando muitos aspectos através de um olhar "naturalista". Como as outras Marias citadas, Maria Ana é um paradoxo, pois é meiga e ao mesmo tempo feroz, mostrando-se muitas vezes como uma verdadeira guerreira índia oprimida. Em termos de atuação Bruna Lima encarnou de maneira boa a personagem. Contudo faltou-lhe um trabalho na dicção e um toque de selvageria e estranhamento de uma índia em uma selva de pedra que "sonha nas estrelas sob as sombras das árvores e ao som da cachoeira com a destreza de uma onça pintada".



"Ah, eu te quero agora, Maria/Maria eu quero te amar" . Fiz meus os versos de Ricky Martin para falar da Maria posta para representar o "lado mau" das Marias, sendo então a antagonista de Maria Padilha. Marie François é a típica mulher francesa do final do século XIX - época em que uma dama elegante deveria ter o estilo das francesas - "chic", "fresca" e "requintada", contudo marie François também era cruel, invejosa, mentirosa, ardilosa. Durante toda a trama almeja tornar-se superior a Maria Padilha, uma vez que julga que a espanhola tivesse usurpado seu lugar como "grande estrela" do Hampton's House. Para completar seu ódio, além da inveja, Marie François ama Juan Galhard que ama Maria Padilha. Funciona como o poema Quadrilha de Carlos Drummond de Andrade, lembra? O rancor de François por Padilha é o mesmo que o de Joaquin por Juan. Com essa combinação perfeita de "rejeitados", Marie François e Joaquin formam uma aliança, cujo objetivo é separar o casal protagonista. Porém, no íntimo não revelado a seu "cúmplice", ambos desejam mais do que separar Padilha e Galhard: desejam destruir o(a) rival, o que torna a trama mais interessante ainda. Em termos de atuação, Lesllié Lima mostrou ser realmente boa atriz, porém faltou-lhe mais "frescura" para compor verdadeiramente a francesa Marie François, pois esse papel exigia mais. Precisava ter mais malícia natural e o tradicional "biquinho" francês. A dicção de Lesllié, no primeiro dia de apresentação, deixou a desejar, mas melhorou muito na segunda apresentação. Mesmo assim pode-se ver "que o brilho no palco não irá se extinguir enquanto uma estrela azul fizer a patéia aplaudir".

"Maria, Maria[...] Mas é preciso ter manha/É preciso ter graça". Voltando a Milton Nascimento para falar da apaixonante italiana Maria de la Pietá. Sem dúvida é a Maria mais "rasa" de todas, não tendo sua personalidade bem explorada, servindo apenas como parte cômica das Marias. Sempre confundindo os ditados populares ou fazendo algo engraçado, ela é a Maria mais romântica do espetáculo. Mesmo assim seu caso de amor foi o menos explorado, deixando claro que a autora não acreditra em um amor submisso, o que era o caso de Maria de la Pietá e Eugene Hampton - proprietário do Café Society e que tinha um relacionamento estável com Teresa de Bonsuar. Maria de la Pietá era aquela Maria que não sabia em qual lado ficar. Estava sempre junto a Marie François, ajudava-a nas trapaças, mas não demonstrava aversão às outras Marias que eram lideradas por Padilha. Dessa forma Pietá tornou-se a Maria "neutra" da história. Em termos de atuação, Brunna Arraes mostrou grande vocação para papéis cômicos, atuando com incrível naturalidade, mas pecou por não ter decorado suas falas e ter se atrapalhado, atrapalhando assim outros atores e suas "deixas". Este defeito fora percebido pelo elenco (que teve que improvisar várias vezes devido esses erros) e por poucas pessoas, pois a grande naturalidade de Brunna disfarçou seu "esquecimento", mas Brunna Arraes foi a "verdadeira italiana, com beleza européia sagaz que desperta o fogo e que grande desejo nos traz".

Para finalizar, eu que sou um homem apaixonado por mulheres, por suas personalidades, manias, joguetes de sedução, fiquei apaixonado por essas Marias que, apesar de diferentes personalidades, têm um único sonho: ser feliz! A elas um desfecho em grande estilo, com música e poesia.
Em homenagem a Maria Padilha escrevo a música de Ricky Martin. Ponho em duas versões: espanhola e portuguesa, pois as letras se diferem. Ambas combinam com essa mulher. Escolha a que melhor se encaixa, pois para mim ambas falam de Maria Padilha/ Erika A. V. de Almeida:


MARIA
"Ella es
(Ela é)
Una mujer especial
(Uma mulher especial)
Como caida de otro planeta
(Recém chegada de outro planeta)
Ella és
(Ela é)
Un laberinto carnal
(A super fêmea fatal)
Que atrapa y no te enteras
(Que te ama a noite inteira)
Así és Maria
(Assim é Maria)
Blanca como el dia
(Linda flor do dia)
Pero es veneno si te quieres enamorar
(Um veneno doce tão gostoso de tomar)
Así és Maria
Tan caliente y fria
(Sonho e fantasia)
Que si te la bebes de seguro te va matar
(Que se você bebe de paixão pode te matar"
"Amor é sede depois de se ter bem bebido"
(Guimarães Rosa)
"Sabe lá/o que é morrer de sede em frente ao mar"
(Djavan)


Para Maria Molambo/Lutilla Holanda continuo com os versos de Milton Nascimento:

MARIA, MARIA
"Maria, Maria é o som, é a cor, é o suor
[...] De uma gente que ri quando deve chorar
E não vive, apenas aguenta.
Mas é preciso ter força, é preciso ter raça
É preciso ter gana sempre
Quem traz no corpo a marca
Maria, Maria mistura a dor e a alegria
[...] Quem traz na pele essa marca
Possui a estranha mania de ter fé na vida"

"Sem ela não se anda
Ela é a menina dos olhos de Oxum
Flecha que mira o sol
Oiá de mim
O raio de Iansã é ela
E o vento de Iansã vem dela"
(Maria Bethânia)

Para Marie François/Lesllié Lima, trago Flor de Lis

FLOR DE LIS
"E foi assim que eu vi
Nosso amor na poeira, poeira
Morto na beleza fria de Maria
E o meu njardim da vida
Ressecou, morreu
Do pé que brotou Maria
Nem Margarida nasceu".

"Todo cais é uma saudade de pedra"
(Fernando Pessoa)







Para Maria Ana/Bruna Lima, continuo com os versos de M. Ortiz e José Assunción:
ÍNDIA
"Índia seus cabelos nos ombros caídos
Negros como a noite que não tem luar
Seus lábios de rosa para mim sorrindo
E a meiguice doce desse teu olhar".


"A tua beleza aumenta quando estamos sós
E tão fundo intimamente a tua voz
segue o mais secreto bailar do sonho
Que momentos há em que eu suponho
Seres um milagre criado só para mim"
(Sophia de Mello Breyner)

Para a romântica Maria de la Pietá/Brunna Arraes, trago os versos de Zélia Duncan:


DIZ NOS MEUS OLHOS
"Pensei que haveria
um pouco mais de amor para mim
Guardei cada luar, cada verso
Encoberto nas notas da canção
Pra quê? Se o vazio me esperava e eu não percebi
Devolve meus dias, minha alegria
Diz nos meus olhos verdades ruins."

"Através do teu coração passou um barco
Que não pára de seguir sem ti o seu caminho"
(Sophia de Mello Breyner)